quinta-feira, 23 de junho de 2011

Empresas para escrever artigos, escrever relatórios, demonstrar teoremas e inventar conjecturas

Fiquei estarrecido com o artigo ``Escreva bem ou pereça- Cursos e serviços ajudam pesquisadores a redigir um bom trabalho científico''
publicado em PESQUISA FAPESP, n. 162, abril de 2011, pp. 34-42.


O artigo está diponível aqui:
http://dl.dropbox.com/u/6465890/PESQUISA%20FAPESP-%20Escreva%20bem%20ou%20perecca.pdf

No artigo, a FAPESP faz uma descarada publicidade para a empresa Publicase, que tem como sócias as biólogas Marcia Triunfol Elblink e Andrea Kaufmann-Zeh, as quais foram editoras de ``Science'' e ``Nature''. ``Nature'' é publicada pela Nature Publishing Group, uma divisão da Macmillan Publishers Limited:

http://www.nature.com/nature/index.html


e ``Science'' é publicada pela HighWire Press, associada à American Association for the Advancement of Science:

http://www.nature.com/nature/index.html.

É claro que todos devemos aprender, e ensinar, como redigir bem, escolher bem as referências, colocar os resultados da melhor maneira possível,
mostrar a relevância dos resultados, etc., etc. Isso vale para artigos teses, monografias, e tudo o mais que se escreve-- inclusive é usual que se paguem revisores em língua estrangeira, ou mesmo ajuda para editar textos. Mas pagar uma empresa que escolha os tópicos da pesquisa, e que atue quase em co-autoria, me parece um absurdo tão grande comop pagar um maratonista premiado que me empurre na Maratona de Nova Iorque e querer o troféu!

Sim, porque ao ensinar, como redigir bem, escolher bem as referências, colocar os resultados da melhor maneira possível,
mostrar a relevância dos resultados, etc., o objetivo é que a futuro cientista aprenda a fazer isso sozinho!

O texto da FAPESP, na página 36, quase dá a tabela de preços do ``serviço prata'' e do ``serviço ouro'':

``Desde 2008, a Nature Publishing Group (NPG), editora que publica a revista Nature, disponibiliza um serviço de edição de papers. O NPG
Language Editing é dividido em duas categorias. No serviço ouro, o texto é retrabalhado por dois editores especialistas no assunto e revisto por outros dois profissionais. No serviço prata, há um editor a menos no processo. A NPG não faz traduções – e deixa claro que o serviço não implica compromisso de
aceitação do artigo pelas revistas da editora. Outro exemplo é a empresa norte- -americana American Journal Experts (AJE), que reúne uma rede de doutores em vários campos do conhecimento. A AJE começou a operar em 2004. ``


E continua, na p. 38:

``A Unicamp prepara reforços na estratégia de aperfeiçoar as habilidades de redação científica de pesquisadores. Nesse ano, vai oferecer
novos workshops com a Publicase e um seminário com Carl Schwarz, diretor da editora Elsevier, para atingir estudantes de pós-graduação.''

De fato a UNICAMP já fez isso em maio de 2011: foi promovido um certo ``Seminário para Autores e Revisores- Como publicar artigos em periódicos internacionais”, no Auditório DGA da UNICAMP, em 04 de maio de 2011, 10h.

Os palestrantes, cujo preço não sabemos, mas cujo custo somado em pelo menos passagens e diárias assustaria a maior dos pesquisadores que recebem no máximo R$ 4.000,00 por ano, sujeitos a atrozes burocratas, para gastar com viagens e pesquisa, foram Rose Olthof formada em matemática aplicada na Erasmus University de Rotterdam e com mestrados em Literatura Inglesa e Ciência Literária. Atualmente cursando o MBA na Rotterdam School of Management, e Carl Schwarz formado em física pela Utrecht University. Ambos trabalharam (ou talvez ainda trabalhem) para a Elsevier.

Nenhum deles com doutorado ou com carreira acadêmica-- ou seja, a UNICAMP paga a estas pessoas para ``ensinar'' seus professore, inclusive titulares , como ser revisores e como publicar artigos, ao invés de buscar nos seus quadros os cientistas que são editores e revisores internacionais há anos!

Ao invés s de melhorar as revistas que temos, os recursos da FAPEPS agora irão para melhorar o nível dos artigos das revistas da Elsevier, da Science e sa Nature, que depois serão bem indexados pela Web of Science da Thomson Learning, o que vai melhorar o desempeho das ações da Macmillan Publishers Limited Group, da HighWire Press, da Elsevier e da própria Thomson Learning na bolsa de NY!

Será que a FAPESP vai também liberar recursos para pagar gente boa para fazer aqueles procedimentos chatos de laboratório, demonstrar teoremas e propor conjecturas? E para escrever relatórios? Estou procurando sócios para a empresa PROOFCASE, e para a REPORTCASE!

3 comentários:

Maria Guimarães disse...

Caro Walter Carnielli,
Entendo sua crítica e acho que o assunto merece mesmo uma boa discussão.

Mas discordo da analogia com contratar um maratonista para empurrá-lo na corrida de Nova York. Talvez fosse mais como (embora seja um processo completamente distinto) mandar o seu manuscrito de livro para uma boa editora, onde o editor trabalhará - às vezes extensamente - o texto junto com o autor.

Faço parte da equipe da revista Pesquisa, mas escrevo aqui em meu próprio nome. Preciso chamar atenção, porém, para um engano: o texto a que se refere é uma reportagem jornalística da revista Pesquisa, publicada pela Fapesp. Não tem relação alguma com as políticas de distribuição de recursos da Fundação.

Bebel disse...

Caro Prof Walter,

Fiquei muito surpresa com o comentário que encontrei em seu blog e gostaria de saber da onde veio a idéia de que a Publicase é quem "escolha os tópicos da pesquisa, e que atue quase em co-autoria". Não sei o que lhe fez chegar a esta conclusão mas gostaria de esclarecer que não é de forma nenhuma isso que fazemos. O trabalho que fazemos é um trabalho editorial científico, muito comum, e que se destaca tanto pela formação científica de alto nível que temos como pela experiência editorial.
Realmente não consigo ver o que lhe causou tanta indignação. Quanto aos valores dos workshops, estão lá em nosso site. Agora não cometa o ingênuo equívoco de comparar o valor do workshop com o salário de um professor porque a Publicase é uma empresa e diferente do professor universitário, a empresa paga por tudo. Ou seja, é do valor do workshop que sai o dinheiro para pagar o aluguel da sala, a luz, a internet, a contadora, as imagens utilizadas, o advogado que faz os contratos, o boy que vai ao correio, espaço do site, o webmaster, as assinaturas de revistas, os cartões de visita, os telefonemas, sem falar dos impostos que ultrapassam 20%..Professor universitário tem estas despesas? E nem falei das garantias e aposentadorias que o professor universitário tem. Então por favor, faça a conta na ponta de lápis e depois me conte...
Um abraço
Marcia Triunfol Elblink

Flávio disse...

O mais lamentável é a dura verdade contida nesse processo todo: grande parte dos pesquisadores não sabe compor um texto.

Acredito que a saída a ser aplicada não é essa e, a despeito do "merchan", é surpreendente como a mentalidade acadêmica do Brasil se transforma mais e mais em empresarial.

Não seria mais coerente trabalhar com o aluno desde o ingresso? bastaria colocar uma sigla a mais nos cursos - "Tópicos de Redação I,II,III", já fazemos tantas e por vezes tão desnecessárias!

parabéns pelo texto, pai!